Lá por meados de 2014, enquanto eu trabalhava num centro binacional de renome na minha cidade, lembro claramente de ter assistido um TEDx de um irlandês carismática que se autointitulava Benny, the Irish Polyglot (Benny, o poliglota irlandês). Na verdade, eu já conhecia o Benny do meu tempo de Cultura Inglesa. Eu já tinha assistido um vídeo dele no qual ele fala, com uma confiança invejável e fluência aparente, 8 idiomas, inclusive português. Eu adorava passar os vídeos dele para a minha turma de estudantes adultos na tentativa de aumentar o nível de motivação... e muitas vezes, essa estratégia funcionava - pelo menos por um tempinho.
No TEDx dele, ela fala sobre 5 mitos sobre o aprendizado de línguas e um deles me chamou a atenção na época. Ele dizia que as adultos nunca estão velhos demais para aprender. Ele até citou um estudo da Universidade de Haifa em Israel que havia demonstrado que em condições semelhantes, adultos aprenderam com mais rapidez do que as crianças. O mais legal de tudo é que eu acabei tendo a oportunidade de ir para Israel em 2016 com a minha esposa, que participou de um congresso em Tel Aviv, e eu decidi mandar um email umas semanas antes para o prof. Avi Karni perguntando se eu poderia fazer uma entrevista com ele. Ele não só me respondeu como também aceitou o convite.
Essa história não tem muito a ver com a minha entrevista com o prof. Avi Karni, mas, sim, com a minha viagem à Jerusalém e o canal do Benny. Quando minha esposa e eu pegamos o ônibus de Tel Avi para Jerusalém, nos sentamos no fundo e em alguns minutos, o ônibus se encheu de militares. Um moça de uniforme sentou do meu lado. Ah, detalhe: ela estava com um rifle automático nas mãos. Na cidade antiga de Jerusalém, percebemos a presença constante do exército Israelense. Logo notei o comportamento deles, hierarquizado, disciplinado, em alerta - como é de se esperar quando imaginamos militares, certo?
OK, André, mas o que isso tem a ver com a ideia de aprender um idioma em algumas semanas? Então você quer dizer que esses influencers que dizem terem inventado um método eficaz que acelera - ou destrava - o seu inglês não estão mentindo? Bem, para responder essas perguntas, vamos de Jerusalém para Monterey na Califórnia.
O Renomado DLIFLC
Se você já assistiu séries ou filmes sobre as forças armadas americanas, especialmente os Fuzileiros Navais, você já deve ter percebido que alguns agentes são extremamente fluentes na mais diversas línguas. Afinal de contas, o sucesso da missão deles depende muito da qualidade da comunicação em situações muitas vezes extremamente estressantes. Muitos deles precisam se preparar para uma missão em pouquíssimo tempo e foi a partir dessa demanda que o Instituto de Línguas Estrangeiras do Instituto de Defesa (Defense Language Institute Foreign Language Center - DLIFLC) se desenvolveu.
De acordo com a revista oficial da Marinha Americana, All Hands Navy:
Escondido entre praias cobertas de fuzileiros navais, calçadões movimentados e um campo de golfe de classe mundial está o Instituto de Línguas Estrangeiras da Defesa (DLI) em Monterey, Califórnia. Neste campus, onde o sol nasce sobre uma seção transplantada do Muro de Berlim a cada manhã, membros do serviço treinam para se tornarem especialistas em línguas e culturas de países ao redor do mundo.
A revista diz ainda que o Instituto nasceu dentro de um hangar vazio em Presidio de San Francisco em 1941, apenas 5 semanas do ataque surpresa dos japoneses em Pearl Harbor. O mesmo site e outras fontes afirmam que o sucesso das missões com intérpretes, que realizavam desde contatos com fontes importantes até interceptações de mensagens secretas, levou ao desenvolvimento do instituto nos anos seguintes.
Hoje, o DLIFLC conta com 17 línguas e seus inúmeros dialetos e milhares de alunos. Não é qualquer pessoa que pode estudar lá. Os estudantes são das ou têm alguma conexão com as forças armadas americanas. O mais interessante é que o site do instituto mostra e classifica as línguas de acordo com o nível de dificuldade e a quantidade de semanas para completar o curso.
CATEGORIA I & II | Francês, Espanhol e Indonésio |
CATEGORIA III | Farsi e Russo |
CATEGORIA IV | Mandarim, Árabe e Japanês |
A categoria mais baixa contém as línguas mais parecidas com o inglês e que utilizam o alfabeto latino. A mais alta inclui línguas com alfabeto e gramática bastante diferentes do inglês. No meio, fica a categoria III. Mas qual é o veredito? Em quanto tempo dá para aprender essas línguas no DLIFLC?
Categoria I & II = até 36 semanas (as mais parecidas normalmente duram 24)
Categoria III = 48 semanas
Categoria IV = 64 semanas
Certo, André, então esse instituto prova que é possível aprender várias línguas em 6 ou 9 meses! Isso quer dizer que dá para aprender inglês extremamente rápido como os anúncios das redes sociais afimam, né?
Não é bem por aí...
Lembram do que eu disse sobre os militares que vi em Jerusalém? Quais foram os adjetivos que eu usei para descrevê-los? HIERARQUIZADOS e DISCIPLINADOS. Essas pessoas dedicam um bom tempo das suas vidas para o serviço militar. Elas têm uma rotina extremamente rígida e a hierarquia as coloca na linha quando elas não cumprem o esperado. As expectativas são enormes. Lembrem-se que o sucesso das missões e a vidas das pessoas vão depender das habilidades e do sucesso desses militares.
Olhando para o cenário atual e o tipo de estudante que procura soluções rápidas, "inglês pra ontem", e pensando sobre a rotina dessa pessoa, será que dá para simular as condições vivenciadas por esses militares na hora de aprender uma língua adicional? Mas OK. Vamos supor que o perfil do aluno José seja esse: extremamente dedicado e automotivado. Ele vai conseguir aprender inglês em algumas semanas? Em uns 6 meses? Eu aposto que não. Aliás, vamos esclarecer uma coisa aqui. É óbvio que ele vai aprender alguma coisa em 6 meses, eu diria até que muita coisa dependendo das aulas dele. Mas ele não chegará ao nível de proficiência alto que é frequentemente prometido por esses gurus de Instagram. E isso tem a ver com o jeito que os estudantes aprendem no DLIFLC.
O site do Departamento de Defesa dos EUA diz que:
It's no cake walk - Não é moleza
Na verdade, o site descreve a rotina de quem estuda no DLIFLC:
Os cursos são intensos. Eles têm duração de seis a sete horas por dia (SEM incluir o dever de casa), cinco dias por semana, e se estendem por 64 semanas ao longo de três semestres.
O site ainda diz que os professores são nativos (95% deles) e que vários professores ensinam a mesma turma. Mas, detalhe: os professores nativos são qualificados. Não basta ser nativo, tem que ter estudado para saber ensinar.
E tem mais. Antes de poder fazer os cursos de línguas do DLIFLC, os candidatos precisam passar num teste chamado de DLAB. Eles são pré-selecionados. Segundo o o site oficial da Base da Força Aérea Robins:
O "Defense Language Aptitude Battery" (DLAB) é um teste governamental padronizado com aproximadamente duas horas de duração, utilizado para determinar a habilidade natural de membros dos serviços armados em aprender uma língua estrangeira. É difícil estudar para o DLAB da maneira tradicional, pois o DLAB foi projetado para medir o potencial de aprendizado de línguas, não o conhecimento atual. Como o teste envolve uma linguagem sem sentido, não há como criar um guia de estudo tradicional.
Ou seja, para estudar no instituto, os candidatos não só precisam ser membros das forças armadas, disciplinados e automotivados, mas, também, precisam de um teste de aptidão em relação à aprendizagem de línguas e têm que dedicar mais de 7 horas diárias de estudo todos os dias, exceto fins de semana - vale frisar que muitos ex-estudantes disseram quando entrevistados que evitavam sair com os amigos para beber e ficavam imersos no idioma com música e filmes até nos fins de semana.
De volta ao Poliglota Irlandês
O nosso amigo Benny ficou famoso por conseguir aprender idiomas de maneira super rápida e aproveitou o momento, antes da popularidade do Instagram, para vender o seu próprio curso que, acreditem o não, prometia "fluência em 3 meses". Eu me lembro de ter assistido alguns vídeos dele no YouTube com a rotina de estudos. Num desses vídeos, ele decidiu vir ao Brasil para aprender árabe. Ele queria provar que é possível aprender qualquer língua em qualquer lugar com o método certo, dicionários, alguém com quem conversar e muitas horas de estudo. De fato, ele parecia aprender bem os idiomas e conseguia se comunicar com pessoas do Egito e outros países em árabe. Mas sabe o que ficava martelando na minha cabeça?
O Benny não trabalha?
Como é que uma pessoa típica, com um emprego de 6 a 9h diárias, com família, outros estudos e tal vai arrumar várias horas por semana para completamente se dedicar a uma língua adicional? Entende como essas promessas de aceleração e destravamento do seu inglês são falaciosas? O Benny trabalhava. Vendia seus cursos com promessas mirabolantes. Depois de um tempo, ele desapareceu e alguns anos mais tarde, gravou um vídeo dizendo que a vida dele estava muito complicada, que havia entrado em depressão, se divorciado e perdido muito dinheiro. Não faço ideia se isso tem a ver com a aprendizagem dos idiomas ou o fracasso do curso dele. Mas uma coisa é certa: querer aprender tudo o mais rápido possível vai exigir um sacríficio muito grande de qualquer pessoa.
Minha mensagem final
Vai por mim. Eu entendo a frustração de querer mudar algo na vida e fazer isso em tempo recorde. Eu falhei no meu desafio das 12 semanas (já já gravo um vídeo sobre isso) e já vi muitos alunos falharem ao longo da minha carreira. A gente precisa entender que aprender exige dedicação e tempo. Mas só conseguimos fazer isso dentro da nossa realidade. Os militares do DLIFLC passam quase um anos das suas vidas em completa imersão no idioma e na cultura do país. Eles são lembrados constantemente que o seu fracasso pode custar vidas. Eles são pressionados pelos seus superiores a alcançar o sucesso. Eles já têm uma rotina rígida e disciplinada e eles são pagos para fazer esses cursos.
O José, nosso aluno fictício, tem pressa, mas tem um emprego, dois filhos e uma vida social típica. O José talvez nem conseguisse passar no DLAB. Só que o José acredita piamente que existe um método revolucionário que consegue ensinar sem esforço, sem comprometimento, de maneira divertida e em poucas semanas. Ele acredita nisso porque é justamente isso que ele vê nas redes sociais todos os dias. De diversas fontes.
José, meu amigo. O que eu posso te dizer é que você precisa de alguém que tenha qualifcação para ensinar - como todos os professores do DLIFLC - e que você tenha paciência e comprometimento. Uma hora você chega lá. Vai levar alguns anos, mas o segredo é não desistir. Não acredita nesses anúncios que parecem ser bons demais para serem verdade. Eles geralmente são pura fantasia.
DICA: Se quiser assistir um vídeo excelente sobre o assunto, aqui vai um:
Mas gente deveria ler isso! Pois algumas pessoas querem milagres e no mundo corrido que estamos vivendo fica difícil. Obrigada pelo post. Eu como professora de inglês desde 1998, falo isso faz mto tempo e qdo vejo métodos milagrosos, fico frustrada, pois como tanta instrução que temos, há pessoas que ainda acreditam nisso. Sei que as pessoas vivem num mundo do "imediato", tudo para ontem. So sorry people, sem dedicação e tempo - não há milagres.