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Foto do escritorAndré Hedlund

A Ideologia do Falante Nativo e a Comida Italiana do Jamie Oliver



Um sonoro SIM.


É assim que começa o artigo intitulado “Os falantes nativos de inglês são melhores professores?” no South China Morning Post . O artigo continua:


"Os falantes nativos de inglês são naturais no idioma… Os alunos [em Hong Kong] que ouvem a pronúncia do inglês menos precisa na aula acabam falando da mesma maneira fora da sala de aula. Desaprender a pronúncia errada requer um grande esforço."
South China Morning Post

Este tópico certamente tem sido um problema para quem ensina inglês. Especialmente se você, como eu, é um professor de inglês não nativo. A última vez que me lembro que isso foi um problema aconteceu em 2016. Eu estava participando de uma conferência em Guadalajara no México. Após o primeiro dia de sessões maravilhosas, um americano, que eu havia conhecido alguns meses antes nos EUA, estava falando sobre um programa que ele oferecia para professores não nativos no centro-oeste do país. Ele me falou sobre a importância do programa e logo em seguida deixou escapar:


"Sabe, André, seu inglês é perfeito mas você ainda tem sotaque"
O americano

Do meu lado estava uma outra americana que eu tinha acabado de conhecer e ela tinha mais ou menos a minha idade, muito mais nova que aquele cara. Ela não disse nada. Olhei pra ela buscando algum tipo de aprovação porque o que ele me disse soou como um defeito. Na verdade, soou como algo tão negativo que tentei justificar ou negar.


Engraçado. Em muitas outras ocasiões, outros americanos me disseram que eu não tinha sotaque. O que eles queriam dizer era que eu soava como eles e que os americanos provavelmente me considerariam um deles em seu país. Por alguma razão, eu gostava de ouvir aquilo.


Eu culpo essa 'ideologia generalizada dentro do ensino de inglês, caracterizada pela crença de que os professores 'nativos' representam [...] os ideais (ou a norma) tanto da língua inglesa quanto da metodologia de ensino da língua inglesa', como discutiu Adrian Holliday. Esse ideal é reforçado basicamente por todos os níveis do ensino de inglês. As editoras normalmente só oferecem as edições em inglês americano ou inglês britânico de seus livros. Os anúncios de emprego buscam somente professores nativos, muitas vezes sem qualificação, para preencher vagas de ensino em todo o mundo. E o pior de tudo: eles recebem mais simplesmente por serem nativos.


É realmente tão ruim ser não nativo e ter sotaque? Sinceramente, acho que sofri uma lavagem cerebral durante a maior parte da minha vida profissional. Falar inglês "perfeito" ocorre independentemente do sotaque. Um bom exemplo disso vem do Marek Kiczkowiak (e seu entrevistador, o grande professor Rodrigo Correia) defendendo os professores não nativos e lutando contra a ideologia do falante nativo nessa entrevista para o Talking EFL. Coincidentemente, essa entrevista com o Marek gerou esse primeiro comentário incrivelmente apropriado:


"Eu queria que todos os falantes nativos falassem da maneira tão bonita e natural quanto o Marek"
Comentário de Ola Maria no YouTube

Exatamente, Ola Maria. Tive o prazer de conhecer Marek pessoalmente na conferência InnovateELT e suas sessões foram fantásticas. A maioria das coisas que nós, não nativos, queríamos que alguém nos dissesse quando estávamos começando nossas carreiras foi discutido por ele. Ele falou sobre mitos, diferenças salariais, maneiras de lidar com o falante nativo e como fazer isso em sala de aula ensinando Inglês como Língua Franca ou English as a Lingua Franca (ELF).


Saí da conferência refletindo sobre aquilo e não consegui parar de pensar em algumas situações que aconteceram comigo. Há uns cinco anos, eu fazia parte de um conselho de coordenadores que avaliava novos candidatos para um cargo de professor na escola em que trabalhava. Éramos cinco, todos não nativos diga-se de passagem, observando candidatos dando uma aula demonstrativa. Um belo dia, um americano chega dizendo que está interessado na vaga - vamos chamá-lo de John - e começa a sua aula. Nós perguntamos:


Nós: Para qual nível é a lição?

John responde: Básico.


Ele inicia a aula sem saber no que focar, falando bem rápido e usando palavras difíceis, ensinando desde vocabulário que não fazia sentido nenhum até verb to be, cometendo erros básicos de gramática e, francamente, ministrando uma das aulas mais desinteressantes que já presenciei na minha vida.


Outra situação que me abriu os olhos foi a palestra da Tracey Tokuhama-Espinosa, autora da ciência da Mente, Cérebro e Educação. Ela diz que uma das possíveis "desvantagens" de aprender um idioma quando adulto é que você pode não ter um sotaque nativo. Ela não vê isso como um problema, no entanto. Ela usa a palavra "desvantagem" porque está falando da perspectiva do que as pessoas geralmente acreditam. Ela diz que, como nossa língua é um músculo e deixamos de ouvir certos sons se não formos expostos a eles na primeira infância, podemos nos contentar em pronunciar as palavras da melhor maneira possível, desde que o receptor entenda nossa mensagem, afinal, o objetivo é comunicar. Em teoria, poderíamos nos forçar a aprender um sotaque nativo, assim como podemos aprender a correr uma maratona, se realmente quisermos.


Isso me leva ao restaurante italiano do Jamie Oliver. Minha esposa e eu comemos lá, no endereço de Victoria, Londres, algumas semanas depois de voltarmos de Barcelona onde aconteceu a conferência InnovateELT em 2019. Sempre gostamos dos programas e receitas do Jamie. A comida dele traz um certo conforto, como comida mais caseira, e normalmente não se encaixa no padrão gourmet ultrassofisticado. O Jamie não é italiano e muitas vezes seus chefs também não são. No entanto, eles sabem cozinhar massas bem autênticas e, talvez, adicionar um pequeno toque aqui e ali. Lembro-me de ter comido um spaghetti alla bolognese em Bolonha na Itália e no restaurante do Jamie pedi um tagliatelle alla bolognese. Para ser bem sincero, o do Jamie estava melhor. A carbonara primavera da minha esposa estava ainda melhor. Apenas um prato superou esses três na Itália. Foi um pappardelle al ragù em Siena, provavelmente o melhor prato italiano já feito no planeta Terra.


Talvez. Para ser justo, tenho certeza de que posso encontrar restaurantes italianos em todo o mundo com funcionários locais (não italianos), fazendo pratos incríveis. Agora, quão absurdo seria exigir que todos os restaurantes italianos que fossem abertos contratassem apenas italianos? Quão absurdo é supor que todo italiano pode fazer um prato de massa melhor do que qualquer outra pessoa no mundo? Isso é exatamente o quão absurdo é pensar que apenas os falantes nativos podem ensinar inglês bem ou melhor.


De volta a Guadalajara, lembro-me de provar os tacos locais na rua e pensar:


"Nossa, eles estão deliciosos. Mas acho que posso fazer melhor"


Adoro cozinhar e adoro comida mexicana. Não me entendam mal, muitos tacos estavam muito melhores do que os que eu sei fazer. Mas não todos.

Eu posso usar alguns ingredientes diferentes aqui e ali, posso não ter o mesmo tipo de abacate, mas estou certo que eu poderia receber mexicanos de verdade em um banquete na minha casa e eles adorariam minha versão da comida deles. O mais engraçado é que se os italianos escolhessem usar somente os seus ingredientes nativos, o prato tradicional do país nem existiria. De acordo com registros históricos, os tomates são nativos da América, as cenouras são originárias da Pérsia (atual Irã) e as massas provavelmente foram trazidas para a Europa da Ásia Oriental. Se essas culturas não tivessem se encontrado, bye bye spaghetti alla bolognese.

Se eu pudesse voltar no tempo para aquele momento em que o americano disse que eu tinha sotaque, você sabe o que eu teria dito?


"Você também. Assim como todo mundo. E isso não é problema algum"


Acho que a mensagem que quero transmitir é que ser um falante nativo não importa mais do que ser um professor treinado e qualificado. E que ter sotaque não deve tornar ninguém menos valorizado, afinal, todos temos sotaque. Sinceramente, acho que alguns falantes nativos têm um sotaque muito mais difícil de entender do que o meu, o do Marek ou o do Rodrigo.


Então, sempre que alguém disser que falantes nativos são melhores professores, pergunte o seguinte:


"Nativo de qual país? De qual estado? De qual cidade ou região? Um nativo californiano ou londrino? De Dublin? Um nigeriano? Australiano? Canadense? Indiano? Texano?"


Pense também em todas as vantagens que os não nativos têm:


  • Eles são pelo menos bilíngues e podem fazer comparações entre sua língua materna e o inglês

  • Eles realmente sentiram na pele o que é aprender uma língua adicional

  • Eles podem não estar tão presos em sua própria bolha linguística quanto os nativos, ou seja, eles têm conhecimento metalinguístico

  • Eles podem ter estudado o idioma que estão ensinando de forma mais abrangente e sistemática


Que tanto professores nativos e não nativos coexistam e sejam julgados por sua competência de ensino e não por sua nacionalidade ou sotaque. Que possamos chegar a um ponto em que esses termos (nativos vs não nativos) sejam esvaziados de significado e deixem de ser usados para categorizar as pessoas de acordo com algo que realmente não importa. Que possamos simplesmente ser professores de inglês.


Agora, se me dão licença, vou fazer um penne alla bolognese para o almoço.

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