Houve um tempo em que eu era quase obcecado em encontrar algum tipo de fórmula mágica planejar minhas aulas. Comecei a estudar neurociência tentando encontrar respostas sobre como nossos cérebros aprendem e o que devemos fazer como professores para tornar a aprendizagem mais eficaz. Mas sabe aquela sensação lá no fundo de que a resposta vai te decepcionar? Foi exatamente o que aconteceu na primeira semana de janeiro de 2019. Eu tinha acabado de voltar da Suíça, onde passei o Ano Novo com minha tia e prima, ansioso para participar da primeira aula de Neurociência Cognitiva e Prática de Sala de Aula na Universidade de Bristol. Minha empolgação era dupla. Primeiro, porque essa unidade parecia ter sido feita sob medida para mim e, segundo, porque o professor era o brilhante Paul Howard-Jones.
Foi aí que eu me dei conta de algo que eu sempre soube.
Na metade da aula, o Paul disse que não aprenderíamos a fórmula mágica que eu havia procurado por algum tempo e que muita gente continua procurando. Ele disse que talvez, para ser honesto, tudo o que a neurociência pode fazer é confirmar o que já estamos fazendo e nos dar novas perspectivas sobre algumas coisas novas. Como eu disse, eu meio que já sabia disso, acho que sempre soube de alguma forma e finalmente comecei a apreciar a beleza de tudo isso. Afinal de contas, muito do que nós fazemos como professores já está certo. Como John Hattie coloca, apesar das controvérsias metodológicas do seu trabalho:
Quase tudo o que fazemos tem algum impacto positivo nos alunos.
John Hattie, 2012
De fato, podemos dizer que os professores estão ensinando há milênios e os alunos estão aprendendo (alguns melhor, outros pior). Apesar de discordar de Hattie em outros pontos (prometo escreve sobre isso um dia), o impacto que essa citação tem pode ser libertador. Ela nos permite focar nas coisas que poderiam ter um impacto mais positivo em nossos alunos, mas que não estamos fazendo tanto quanto poderíamos na sala de aula. Depois de refletir sobre isso, o objetivo da minha dissertação de mestrado na Universidade de Bristol ficou cristalino. Decidi realizar uma análise temática sobre o que os autores contribuíram para a Ciência da Aprendizagem em relação a estratégias eficazes em sala de aula e elaborar uma escala com base nisso para ajudar os professores a refletir. Vale mencionar aqui que essa ciência pode ter nomes diferentes, mas a essência é a mesma. Pode ser chamada de Ciência da Educação, Neuroeducação ou ciência da Mente, Cérebro e Educação.
Mais de 150 estratégias depois, todas condensadas em 6 temas que agora contêm cerca de 30 estratégias de sala de aula que devem funcionar melhor de acordo com a Ciência da Aprendizagem que me levou à criação do Cosmo da Aprendizagem, permita-me compartilhar algumas coisas que não estamos usando com tanta frequência, que podem ter um efeito extremamente positivo nos alunos.
Pré-teste
Pesquisadores descobriram uma correlação positiva entre pré-testes - aplicar um teste no início da aula - e desempenho. Um rápido questionário sobre o conteúdo que será discutido naquela aula pode aumentar a compreensão e a curiosidade dos alunos sobre o assunto além de mantê-los mais envolvidos para descobrir o que erraram e por que acertaram algumas coisas (Kornell et al., 2009; Little & Bjork, 2016). Também é uma maneira eficaz de ativar o conhecimento prévio dos alunos e, consequentemente, facilitar o processo de aprendizagem (Brod et al., 2013; Shing & Brod, 2016).
Como fazer isso?
Logo no início da aula, use uma ferramenta de quiz (Kahoot, Mentimeter ou outros), folhetos ou flashcards para fazer perguntas aos alunos sobre o conteúdo que estão prestes a aprender. Não os faça trabalhar em pares ou grupos nesta fase. Trabalhar individualmente tem mais chances de garantir que todos se esforcem para recuperar as informações necessárias para conseguir as respostas corretas além de garantir que processo de pensamento não seja interrompido por outra pessoa.
Prática de Lembrar
A recuperação repetida de itens de memória - ou seja, tentar lembrar - aumenta a consolidação da memória declarativa e melhora a aprendizagem a longo prazo dos alunos (Karpicke, 2012; Dunlosky et al., 2013). Wirebring et al. (2015) também demonstraram que o ato de constantemente tentar acessar informações recentemente aprendidas cria diferentes representações delas no cérebro e, portanto, torna sua recuperação mais facil ao longo do tempo.
Como fazer isso?
Depois de apresentar um novo conteúdo, dê aos alunos alguns minutos para praticar e depois peça a todos para simplesmente tentar lembrar esse conhecimento individualmente antes de passar para o próximo tópico. Isso pode ser tão simples quanto pedir aos alunos que escrevam o que conseguem lembrar, o que entenderam ou sobre o que refletiram por uns 30 segundos ou um minuto antes de compartilhar com alguém ou se envolver em outra atividade.
Repetição espaçada ou Prática Distribuída
Para que a memória declarativa seja consolidada no cérebro, é necessário dormir. As informações recém-aprendidas armazenadas temporariamente no hipocampo são reproduzidas no cérebro durante o sono para criar mais representações e memórias duradouras (Maquet et al. 2000). Revisar o conteúdo apenas uma vez após a aula ou fazer o dever de casa no mesmo dia pode ser um desperdício de recursos cognitivos, já que seria mais benéfico, com base nas noções do efeito de espaçamento e consolidação da memória, revisá-lo no dia seguinte após dormir e em sessões futuras (Henderson, Weighall, Brown, & Gaskell, 2012; Seehagen, Konrad, Herbert, & Schneider, 2015).
Como fazer?
Crie um cronograma de revisão. Categorize o tópico que você está ensinando em códigos (Lição 1 Tópico 1 - L1T1) e planeje suas futuras aulas com testes rápidos para ajudar os alunos a revisar. Comece aplicando os testes um dia depois que o conteúdo foi introduzido e, gradativamente, aumente a distância entre a última sessão de revisão e a próxima. Experimente algo assim:
Teste L1T1 nas seguintes lições: L2, L4, L10 e L15
Teste L2T1 nas seguintes lições: L3, L5, L11 e L16
Você também pode usar uma técnica com marcadores de páginas coloridos. Marque nos livros didáticos atividades que não foram feitas em aula e reserve um tempo em aulas futuras - lembrando de aumentar o espaço entre elas - para que os alunos façam as atividades. É melhor quando eles não preenchem ou escrevem nada no livro para que eles realmente tentem se esforçar para lembrar das respostas e não apenas relê-las no livro.
Pausas Mentais (Brain Breaks)
Embora não haja consenso sobre quanto tempo podemos nos concentrar, o consenso gira em torno de 10 a 30 minutos (Stuart & Rutherford, 1978; Davis, 1993; McKeachie, 2006). Se recebemos mais informações do que nossa memória de trabalho pode lidar, geralmente entre 2 e 9 "chunks" ou pedaços coesos de informação, normalmente experimentamos uma sobrecarga cognitiva (Miller, 1956; Sweller, 1988; e Cowan, 2001). Então, assim como ir à academia para se exercitar, o ideal é aplicar esforço focado (levantar pesos) e depois fazer uma pausa (descansar) entre as séries. Isso permite que os nossos cérebros mudem do modo de pensamento focado para o modo difuso, iniciando o processo de consolidação e liberando nossa memória de trabalho para mais informações (Oakley, 2014). Dê uma lida no post que escrevi sobre esse tema aqui.
Como fazer?
Inspire-se na Técnica Pomodoro ou use um cronômetro online e defina um período de 15, 20 ou até 25 minutos. Diga aos seus alunos que todos vão trabalhar de modo focado durante esse período e quando o alarme tocar, eles terão uma pausa rápida (pode ser de 1, 2, 3, 4 ou até 5 minutos). Durante essa pausa, permita que os alunos façam o que escolherem: eles podem ouvir música, assistir a um vídeo rápido, jogar um jogo, levantar-se e se esticar as pernas, sentar-se com outra pessoa e conversar sobre qualquer coisa. A ideia é fazê-los relaxar um pouco para que possam manter os níveis de atenção altos e ajudar a consolidar a memória.
Atitudes e Crenças sobre Aprendizado
Tudo o que foi mencionado anteriormente pode ser muito útil e importante, no entanto, pode não significar muito se nossos alunos não acreditarem em seu potencial de aprendizado e, ainda pior, se nós não acreditarmos no potencial de aprendizado de nossos alunos. Pesquisas sobre 1) mentalidade de crescimento (Dweck, 2008); 2) metacognição (Karpicke et al. 2009; Dunlosky et al. 2013); 3) plasticidade cerebral (Blackwell et al. 2007; Myers et al. 2016; Paunesku et al. 2015); e 4) autoeficácia (Bandura, 1997; Schunk et al., 2008) sugerem que eles são grandes aliados em qualquer ambiente educacional. Respectivamente, podemos resumi-los como 1) a ideia de que nossa inteligência não é fixa e pode ser melhorada através do esforço e feedback construtivo; 2) "pensar sobre o pensamento" ou "aprender como aprender", ou seja, usar estratégias de estudo baseadas na Ciência da Aprendizagem; 3) a ideia de que o cérebro é alterado pela experiência e que ele pode sempre aprender; e 4) a qualidade das pessoas que conseguem definir, manter e alcançar metas e resultados esperados com sucesso.
Como fazer?
Não se concentre apenas no conteúdo. Promova a ideia de que o esforço e a dedicação são chave se eles quiserem ser aprendizes bem sucedidos e reconheça isso. Tire um tempo de sua lição para ensinar seus alunos fatos sobre o cérebro e como ele muda estruturalmente quando aprendemos. Diga-lhes que existem estratégias de estudo melhores ou mais eficazes e ensine-as (você pode começar com essas que estou compartilhando neste post). Ajude-os a organizar seus estudos e definir metas. Você pode usar alguns conceitos de planejamento estratégico ou gestão de projetos.
Use essas estratégias e me conte se deu certo. Afinal, não há fórmula mágica. Inclusive, nem todas as estratégias compartilhadas aqui vão necessariamente mudar suas aulas drasticamente. Alguns funcionam melhor em contextos bem específicos (como o caso de intervenções baseadas na mentalidade de crescimento). Precisamos ser críticos sobre nossa prática e lembrar que a ciência ainda está fazendo descobertas importantes e que novas evidências continuam chegando aos cientistas. As coisas ainda podem mudar. Contudo, continuar ensinando sem entender um pouco do que a ciência nos diz sobre como aprendemos não me parece ser uma boa solução se quisermos impactar o aprendizado dos nossos alunos de maneira positiva.
Referências
Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York:W. H. Freeman.
Blackwell, L. A., Trzesniewski, K. H. and Dweck, C. S. 2007. Theories of intelligence and achievement across the junior high school transition: A longitudinal study and an intervention. Child Development, 78: 246–263.
Brod, G., Werkle-Bergner, M., & Shing, Y. L. (2013). The influence of prior knowledge on memory: a developmental cognitive neuroscience perspective. Frontiers in Behavioral Neuroscience, 7, 13. doi:10.3389/fnbeh.2013.00139
Cowan N. (2001) The magical number 4 in short-term memory: A reconsideration of mental storage capacity. Behavioral and Brain Sciences. 24:87–185
Davis BG. (1993) Tools for Teaching. San Franciso, CA: Jossey-Bass
Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T. (2013).
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Dweck, C. S. (2008). Mindset: The new psychology of success. Random House Digital, Inc.
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Henderson, L. M., Weighall, A. R., Brown, H., & Gaskell, M. G. (2012). Consolidation of vocabulary is associated with sleep in children. Developmental Science, 15, 674–687
Karpicke, J. D. (2012). Retrieval-based learning: Active retrieval promotes meaningful learning. Current Directions in Psychological Science, 21(3), 157-163
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Miller, G. A. (1956). The magical number seven, plus or minus two: Some limits on our capacity for processing information. Psychological Review. 63 (2): 81–97
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Seehagen, S., Konrad, C., Herbert, J. S., & Schneider, S. (2015). Timely sleep facilitates declarative memory consolidation in infants. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 112, 1625–1629
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Wirebring, L. K., Wiklund-Hörnqvist, C., Eriksson, J., Andersson, M., Jonsson, B., & Nyberg, L. (2015). Lesser neural pattern similarity across repeated tests is associated with better long-term memory retention. The Journal of Neuroscience, 35(26)
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