Hoje, uma notícia triste abalou o Brasil. Um adolescente de 13 anos atacou professores e alunos na Escola Thomazia Montoro, em São Paulo, matando uma professora e ferindo outras cinco. Especula-se que o motivo do ataque tinha relação com uma briga que ocorreu entre os alunos por causa de racismo - o garoto que esfaqueou a professora havia chamado um colega de "macaco preto" em outra aula. O secretário de educação de São Paulo, Renato Feder, afirmou que será declarado um período de luto de três dias em homenagem à professora que faleceu.
O ataque foi contido por uma professora de educação física que conseguiu imobilizar o agressor e retirar a faca de suas mãos. As outras vítimas estão fora de perigo e os estudantes feridos sofreram lesões leves.
E isso não é um caso isolado. Lembrei-me do caso da professora Márcia Friggi, que também foi agredida por um aluno dentro de sua própria sala de aula há alguns anos . Ela pediu a um aluno de 15 anos que colocasse seu livro, que estava entre suas pernas, na carteira. Ele se recusou, ficou agressivo, xingou a professora e jogou o livro nela. Ela então disse que ele iria para a sala do diretor. Foi quando ele perdeu o controle. No caminho, ele socou o rosto dela várias vezes, cortando sua sobrancelha e deixando-a com uma aparência digna do Rocky. Exceto que ela não era o Sylvester Stallone e o sangue era de verdade.
Mas infelizmente, esses casos são apenas a ponta do iceberg. Recentemente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou um levantamento global que coloca o Brasil entre os países com índices mais altos de agressões contra professores. E o pior é que esses números têm se mantido estáveis nos últimos anos.
Segundo a pesquisa, as escolas brasileiras são ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Cerca de 28% dos diretores escolares brasileiros relataram ter testemunhado situações de intimidação ou bullying entre alunos, o dobro da média da OCDE. Semanalmente, 10% das escolas pesquisadas registram episódios de intimidação ou abuso verbal contra educadores, com "potenciais consequências para o bem-estar, níveis de estresse e permanência deles na profissão", diz a pesquisa. A média internacional é de apenas 3%.
Mas por que isso está acontecendo? A OCDE não analisou os motivos por trás desses índices, mas apontou que o bullying e a agressividade acabaram sendo "normalizados" e minimizados, o que tem impactos negativos sobre o aprendizado. Hoje também ocorreu um tiroteio em uma escola particular cristã em Nashville nos EUA resultando na morte de três estudantes e três adultos por uma mulher armada de 28 anos. A atiradora, que era ex-aluna, entrou na escola armada com pelo menos duas rifles de estilo militar e uma pistola, atirando em várias salas no primeiro e segundo andares. Ela foi morta pela polícia que respondeu ao incidente 14 minutos após o primeiro chamado. O ataque é o 19º tiroteio em escolas ou universidades nos EUA este ano em que pelo menos uma pessoa foi ferida.
A Educação para a Vida: Freire, Dewey, Malaguzzi e Montessori
Aqui no Brasil, muita gente joga o "fracasso" da educação nas costas do maior educador brasileiro, Paulo Freire. Alegam que sua pedagogia promove a doutrinação política e ideológica. Inclusive, muitos diriam que esses atos de violência ocorrem justamente por influência da pedagogia freiriana. No entanto, admiram educadores como John Dewey, Loris Malaguzzi e Maria Montessori. Mal sabem que essas referências têm muito em comum.
John Dewey considerava que a educação deveria estar centrada na vida, na experiência e na prática. Para ele, a educação não deveria ser vista como uma preparação para a vida futura, mas sim como uma parte integrante da própria vida. Dewey acreditava que a escola deveria ser um ambiente em que os alunos pudessem aprender fazendo, experimentando e descobrindo. Ele via a educação como um processo contínuo de crescimento e desenvolvimento, em que os alunos deveriam ser incentivados a se tornarem pensadores críticos e autônomos, capazes de resolver problemas do mundo real.
Loris Malaguzzi tinha uma forte preocupação com a guerra e a violência, especialmente depois de viver a Segunda Guerra Mundial na Itália. Ele acreditava que a educação poderia ser uma força para a paz e a mudança social. Malaguzzi fundou a primeira escola de educação infantil em Reggio Emilia, na Itália, com um grupo de pais e educadores que queriam criar um ambiente educacional mais colaborativo, criativo e pacífico. Essa abordagem, conhecida como a Abordagem Reggio Emilia, é baseada na ideia de que a educação deve ser um processo colaborativo e construtivo em que as crianças sejam vistas como seres ativos e capazes de aprender e contribuir para o mundo ao seu redor. A abordagem pedagógica de Montessori enfatiza a importância do desenvolvimento socioemocional das crianças, bem como o seu papel na formação de valores éticos. Acreditava-se que as crianças aprendem melhor em um ambiente em que se sintam seguras e respeitadas, onde suas necessidades individuais são atendidas e onde são encorajadas a se expressar e se comunicar de maneira eficaz. Além disso, a pedagogia de Montessori enfatiza o desenvolvimento de habilidades práticas, tais como a coordenação motora fina e grossa, a resolução de problemas, a independência e a responsabilidade. Essas habilidades são fundamentais para a construção de um senso de confiança e autoestima nas crianças, bem como para a formação de um senso de responsabilidade social e cívica.
A pedagogia de Paulo Freire é uma forma de libertação. Ela não se limita a ensinar conteúdos, mas busca formar cidadãos críticos e reflexivos, capazes de pensar por si próprios e tomar decisões conscientes. Na realidade, podemos traçar alguns paralelos entre Freire, Dewey, Malaguzzi e Montessori. Suas pedagogias propunham:
A importância do ambiente educativo: Todos eles acreditam que o ambiente educativo tem um papel fundamental no processo de aprendizagem, e defendem que o espaço deve ser projetado para estimular a curiosidade e a experimentação dos alunos.
A ênfase na aprendizagem experiencial: Eles acreditam que a aprendizagem deve ser baseada em experiências concretas e significativas, em que os alunos possam explorar o mundo ao seu redor e desenvolver habilidades práticas.
A valorização da autonomia do aluno: Todos eles enfatizam a importância de permitir que os alunos sejam ativos em seu próprio processo de aprendizagem, permitindo que escolham seus próprios caminhos de aprendizagem e guiando-os para descobrirem suas próprias respostas.
A crença na aprendizagem como um processo social: Eles acreditam que a aprendizagem é um processo social que ocorre em um contexto de interação e colaboração entre alunos e professores.
A crítica ao modelo de ensino tradicional: Todos eles criticam o modelo de ensino tradicional que enfatiza a memorização e a repetição de informações, e defendem uma abordagem mais holística e integrada que valorize as habilidades práticas e criativas dos alunos.
A valorização das habilidades socioemocionais: Eles acreditavam que a educação não deveria se limitar à aquisição de conhecimentos teóricos, mas também deveria enfatizar o desenvolvimento integral dos estudantes, incluindo suas habilidades socioemocionais.
A defesa de uma educação mais democrática: Eles acreditam que a educação deve ser um processo democrático em que os alunos tenham voz e participação ativa no processo educativo, permitindo que desenvolvam habilidades sociais e políticas importantes.
Paulo Freire acreditava que a educação deveria ser libertadora e empoderadora, e que os estudantes deveriam ser encorajados a desenvolver habilidades como o diálogo, a reflexão crítica e a empatia, a fim de se tornarem agentes de mudança em suas comunidades. E esse é um dos fundamentos para mudar essa realidade de violência nas escolas. Precisamos de educadores que não apenas ensinem, mas que também formem seres humanos melhores que resolvam seus conflitos pelo diálogo.
As tragédias de hoje e de outrora nos lembram que o nosso trabalho com educação é mais necessário do que nunca. Vivemos tempos de polarização, de agressividade, de ódio e de medo. Ser professor no Brasil é um desafio enorme e muitos têm vontade de desistir com razão. Somos atacados, chamadores de doutrinadores, desvalorizados, humilhados e assassinados. Lidamos com jovens sem suporte das famílias, invisibilizados, vítimas de abuso e aliciados pela criminalidade.
São alertas como esses que têm gritado nos nossos ouvidos há tempos sobre a importância da educação libertadora, ética e para a vida. Isso passa pela valorização e pela segurança do corpo docente. Sem segurança e sem apoio, não é possível sequer tentar ajudar adolescentes que possam estar passando por problemas emocionais ou comportamentais. Em vez de querer demonizar e banir as contribuições de Paulo Freire, que tal abraçar suas ideias? - que refletem tantos outros educadores que você provavelmente admira.
Precisamos de paz para trabalhar e as crianças precisam de alguém para escutá-las. Precisamos de diálogo, de preparo e de apoio. Estão nos matando dentro das escolas. A cada vítima, matam também a possibilidade de um futuro melhor já imaginado por tantos educadores:
Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo
PAULO FREIRE
Temos que reconhecer que o florescimento humano é um processo orgânico. E você não pode prever o resultado do desenvolvimento humano. Tudo o que você pode fazer, como um(a) fazendeiro(a), é criar as condições sob as quais eles(as) começarão a florescer
SIR KEN ROBINSON
A educação infantil é a chave para a melhoria da sociedade
MARIA MONTESSORI
A educação não é preparação para a vida. Educação é a própria vida
JOHN DEWEY
Uma criança, um(a) professor(a), uma caneta e um livro podem mudar o mundo
MALALA YOUSAFZAI
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